solicitude para estender os olhos

Olhar a Natureza é um modo de a ouvir.
Ouvindo-a, parece-me um estranho instrumento no qual todos os sons correspondem a todas as cordas sensíveis e secretas que estão em nós e que vibram em sinfonias, que cada um as vai ouvindo e entendendo a seu modo.
Tudo isso, enquanto ela vai criando fascinações para além dos saberes.
Então, achamos que a Natureza é grande nas coisas que cria.
E maior ainda nas coisas grandes que cria.
E, depois, um dia qualquer, descobrimos que é grandíssima nas pequenas coisas.

lugares antigos

Nos meus tempos de miúdo, o chão das nossas brincadeiras era um pouco além das casas, na ladeira que sobeja do monte da Senhora da Luz. Uma pequena quebrada farta de pinheiros e uns quantos castanheiros, bordejada de fetos, giestas e urzes, quase todo o ano agasalhados em fofos lençóis de caruma, brilhantes às nesgas de sol entardecido.
Na Primavera, as raparigas também vinham co’nós  e apanhavam margaridas para fazerem coroas e raminhos. Na beira da baixada corria a ribeira das cabras, que tinha um fundão junto a um penedo onde podíamos saltar para a água e às vezes as meninas punham-se aos gritos, no fingimento.

Lá para Maio andávamos aos grilos para as gaiolas que estavam vazias desde o Outono passado, se o vento ajudasse era lançar e esticar as estrelas de rabo e nas remansadas tardes de Verão a ribeira tinha pequenos peixes que estimulavam a nossa trapalhice na pesca, se não aparecesse um ou outro coelho mais afoito a ajustar connosco uma corrida maluca pelo arvoredo, sempre com um final feliz para o orelhas. Um carvalho já velho foi mesmo supimpa para fazer uma casa feita com umas tábuas que fomos arrebanhando aqui e ali; assim como também atinamos com umas cadeiras meias chochas, que um dia deixaram na berma da estrada. É verdade que nunca tivemos tempo para ir para a casa da árvore, mas fazia muito jeito quando uma chuveirada aparecia sem avisar.
Às trindades, sempre que o sol começava a puxar os cortinados do dia, era a altura de abalar até casa. Era o momento importante do dia: dirigíamo-nos, isso mesmo!, de carro. Feitos com tábuas de caixotes velhos das sardinhas ou do bacalhau, rolamentos comprados às prestações no adeleiro e, lá íamos, barranco abaixo até às fraldas do terreiro da igreja. Curta e acidentada corrida pela estrada improvisada no carreiro!…
Um dia tudo isso acabou. Uma vedação em rede nasceu desde a borda da estrada até lá acima, à volta e outra vez até cá abaixo. Depois chegaram umas camionetas e despejaram uns homens com pás, serras, picaretas, paus, areia, pedras, cascalho e bidões de piche.
A quebrada ficou sem árvores, sem giestas e margaridas. O sol deixou de fazer fintas aos pinheiros e os pássaros, as sardaniscas mais os grilos foram embora. Nasceram uns caminhos direitinhos e logo a seguir umas casas com passeios, alinhadas pelas bordas. Já estava tudo quase no fim quando apareceram outros dois homens: um alisou um pedaço de terra no fim de uma carreira de casas e espalhou uma saca de semente.
É para um relvado. – disse ele.
Vai daí o outro homem virou-se para aquele magote da canalha assarapantada, que éramos nós e disse:
Ali vai ter um escorrega e dois baloiços. A Câmara sabe bem que antes as crianças não tinham onde brincar.