em linha

Do outro lado da vereda que segue a traseira da minha casa, é o campo de cultivo do senhor Inácio, com quem às vezes debulho agradáveis palraduras.
Um destes dias dei comigo a matutar sobre os donos que, antes dele, também ali semearam milho, abóboras, centeio, batata, cebolo, tomate, couve e feijão, ou apenas afagaram o feno para sustento do gado.
Provavelmente aquela leira, aquela terra, já era sulcada e sachada há quatro mil anos. Imaginemos se todos os agricultores que aí semearam e colheram, viessem fazer uma visita ao senhor Inácio. Assim, feitas as contas de grosso modo, estaríamos a falar de umas cem, cento e cinquenta pessoas. Uma imediata evidência seria ficarmos presos ao modo tão diferente de se vestirem e de muitos, muitos mesmo, não serem capazes de entender uma só palavra, de tanto que se foi alterando a língua através dos anos.
Uma ideia, no entanto, assarapolhou a minha imaginação: se os dispuséssemos em linha, cada um perto do outro, começando pelo primeiro dono, passando ao segundo, depois o terceiro e assim por diante até ao senhor Inácio, a conversa podia ser seguida ao longo de toda a fila, poderíamos ouvir contar histórias e vidas de um extremo ao outro. Além dessa brutal e incomensurável visão da História, certamente que todo o comprimento da linha ficaria envolto numa onda de fresca jovialidade à medida que o relato passasse de homem para homem, ali mesmo,
através dos séculos.


6 comentários sobre “em linha

  1. jorgesteves 15 Abril, 2024 / 09:17

    Carlos Amorim,
    Exageros seus, amigo Carlos!
    Até o optimismo é uma ficção….
    Abraço.

    Florbela Castro,
    Pois é!, não existo nesses lados, não.
    Muito prazer na sua companhia, amiga.
    Abraço.

    Rita Sousa,
    Um poço de imerecidos elogios! Grato, amiga, grato.
    Abraço.

    Bartolomeu Fernandes,
    Há tolas para tudo.
    E… Monte Real, como foi?
    Abração.

    João Coutinho,
    Mais do que isso, se fosse possível, acho que seria uma loucura, isso seria!…
    Abraço.

    A todos bem-hajam.
    Abraços

  2. Carlos Amorim 23 Março, 2024 / 23:33

    Uma mensagem profunda, uma belissima ficção cheia de otimismo.
    Perfeito.
    Grande abraço.

  3. Florbela Castro 23 Março, 2024 / 21:49

    Espero ter corrigido. Usei o Whatsapp automaticamente.
    Muito agradecida pela gentileza Jorge de fazer parte deste grupo.
    abraço

  4. Rita Sousa 20 Março, 2024 / 23:09

    A sua escrita é um verdadeiro poço de Fantasia, meu querido amigo.
    Um beijo e boa Páscoa.

  5. Bartolomeu Fernandes 20 Março, 2024 / 19:25

    Jorge, como diz o João a ideia não é nada assarapolhada como dizes.
    Ainda te roubam a ideia, moço!
    Abração, companheiro

  6. João Coutinho 18 Março, 2024 / 22:32

    Afinal foi uma ideia brilhante, Jorge!
    Abraço.
    João