Do outro lado da vereda que segue a traseira da minha casa, é o campo de cultivo do senhor Inácio, com quem às vezes debulho agradáveis palraduras.
Um destes dias dei comigo a matutar sobre os donos que, antes dele, também ali semearam milho, abóboras, centeio, batata, cebolo, tomate, couve e feijão, ou apenas afagaram o feno para sustento do gado.
Provavelmente aquela leira, aquela terra, já era sulcada e sachada há quatro mil anos. Imaginemos se todos os agricultores que aí semearam e colheram, viessem fazer uma visita ao senhor Inácio. Assim, feitas as contas de grosso modo, estaríamos a falar de umas cem, cento e cinquenta pessoas. Uma imediata evidência seria ficarmos presos ao modo tão diferente de se vestirem e de muitos, muitos mesmo, não serem capazes de entender uma só palavra, de tanto que se foi alterando a língua através dos anos.
Uma ideia, no entanto, assarapolhou a minha imaginação: se os dispuséssemos em linha, cada um perto do outro, começando pelo primeiro dono, passando ao segundo, depois o terceiro e assim por diante até ao senhor Inácio, a conversa podia ser seguida ao longo de toda a fila, poderíamos ouvir contar histórias e vidas de um extremo ao outro. Além dessa brutal e incomensurável visão da História, certamente que todo o comprimento da linha ficaria envolto numa onda de fresca jovialidade à medida que o relato passasse de homem para homem, ali mesmo, através dos séculos.